"Para um bom amigo, para você Pedro"
Ele costumava sentar todos os dias no mesmo banco, no mesmo inverno, com a mesma intenção. A olhava de longe que era seu único jeito de olhar e a via como que por cima na inquietude da cadeira, no deslizar dos dedos entre os cabelos e no cochichar das confidências que era sua exclusiva curiosidade desde que descobrira que a bíblia nada mais era do que mais um romance, um triste romance de um jovem apaixonado que morreu por causa de uma ilusão amorosa. A via nos domingos muito bem trajada com seu vestidinho celestial e nas sextas-feiras com seu olhar sonolento, de pálpebras cansadas de uma semana que ele jurava a sí mesmo carregar se ela assim um dia permitisse. Já ele sempre estava vestido para o dia em que ela o percebesse novamente, percebesse ao menos seu olhar (carregado de uma tristeza onírica) que sempre estava à procura do olhar dela. Ouvia pouco do sermão e se agarrava a um pensamento vago, a uma lembrança distante, a um instante dos muitos que ele sofria ao perceber que a ela não lhe era mais importante. Perdeu a respiração quando da idéia fúnebre de que nunca mais a teria. Talvez ele sempre estivesse ali e talvez a veja no dia em que ela partir para sempre. Como ouvinte de um casamento que não foi convidado. Talvez naquele mesmo banco ele se cale quando o seu desejo seja dizer “- Sim, Senhor Pastor, eu tenho algo infinitamente contra”. Talvez recite mais um versículo e diga adeus: “- Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé”. Mas muitos erros acontecem porque as pessoas têm a infundada virtude de acreditarem nas verdades que criam. Mas ela nunca quis saber disso. E ele sempre considerou que a vida é bem melhor de ser vivida como um telespectador que assiste passível do que como um personagem movido por um autor que não o deixa escolher sua amada e acaba todo o fim de filme com um triste “The end” sobre um tela escura.