segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Fábula

Para meu amigo Sarg. Rodrigues

Das coisas que aprendi com ele

e no quartel


Era uma vez... E ele pequenininho ficou tão sozinho, tão medroso, tão tão... Lá, preso entre os galhos, entre suas angústias, entre seus soluços. Por que tudo que desconhecemos nos impõe fraqueza. No seu desespero olhou para baixo e atraído pela gravidade deixou que o chão se aproximasse e o aparasse. Sua mãe andorinha tinha ido buscar alimento e o abandonou, temendo o perigo e acreditando na sorte. Essas nossas malditas crenças que sempre nos traem. E acreditamos em tantas coisas.

Por causa dessa lei da física que mantêm rente ao chão esse clima frio, esse tempo frio, essas frias lembranças, esses nublados pensamentos que nosso pequeno herói sentiu seu corpo pouco a pouco tremer. Em breve morreria de hipotermia. Sugariam seu calor, todo seu calor... Sabia que depois disso sua alma secaria, e evaporaria até qualquer inferno mais próximo.

Ia passando um daqueles gigantes animais que pouco tem haver com as minúsculas coisas a sua volta. Contudo parou e olhando para os pés e bem juntinho deles viu aquela miúda criatura. O inverno era tenebroso mesmo para as enormes forças da natureza. O grande ser, vendo que não o conseguiria recolocar no seu ninho, procurou algo ao seu redor para esquentar o filho da andorinha.

O vento tinha levado as folhas das arvores, e não havia arbusto que tivesse sobrevivido a geada do norte. Seu corpo era descompassado e na tentativa de protegê-lo poderia machucá-lo. Pensou mais um pouco e sentido o estômago embrulhando teve a brilhante idéia. Defecou ali mesmo. Pegou o animalzinho e o guardou protegido do resto do mundo agasalhado pelos restos da janta: de mangas, de bananas, de mamão e de algumas saborosas guloseimas daquela floresta. Feito sua parte e orgulhoso de si mesmo, foi embora crente que mais ninguém iria importuná-lo ou procurá-lo entre o barro e o cheiro. Além do mais, ele estava abrasado como qualquer outro em um cobertor grosso. Como disse, são essas nossas crenças que sempre nos traem.

Ia passando um gato e este curioso que é de tudo aproximou-se e aproximou-se e aproximou-se. Sentido o fedor, tirou nosso herói do meio daquele lugar, o lavou, o limpou e vendo o quanto magrinho o bichinho estava o alimentou, passou dias cuidando dele. Até que, depois de tanto carinho, tanto cuidado, tato zelo (do apego que aquele sentia agora por este) “VLAPO, MIAUUUUUUUUUUUU”. A noite estava escura e era de lua. Assim morre nosso herói, nosso pequenininho herói. Causa: “a crença...” e acreditamos em tantas coisas.

MORAL DA HISTÓRIA

Nem sempre quem nos põe na merda quer nosso mal, nem sempre que nos tira da merda quer nosso bem.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Cântico dos Cânticos


“Belas são tuas faces entre os brincos, e teu pescoço entre colares de pérolas.” (Ct 1,10)

“Como o Lírio entre os espinhos, assim minha bem-amada entre as donzelas.” (Ct 2,2)

“Conjuro-vos, filhas de Jerusalém, pelas gazelas e as corças do campo, não desperteis nem acordeis meu amor antes que ela o queira.” (Ct 3,5)

“Tu me embriagas o coração, minha irmã, minha noiva; tu me embriagas o coração com um só dos teus olhares, uma só pérola dos teus colares. Como é belo teu amor, minha irmã, minha noiva! Teu amor é mais delicioso que o vinho e o aroma de teus perfumes mais que todos os bálsamos! Teus lábios destilam mel, noiva minha; mel e leite estão sob a tua língua, e o perfume de tuas vestes é como o perfume do Líbano.” (Ct 4,9-11)

“Desvia de mim o teu olhar, porque ele me fascina. Teus cabelos, rebanho de cabras, ondulando nas encostas de Galaad” (Ct 6,5)

“São belos os teus pés nas sandálias, ó filha de príncipe! A curva dos teus quadris é como um colar, obra das mãos de artista.” (Ct 7,2)

“Como és bela, graciosa, amada, cheia de encantos! Teu porte parece com o da palmeira, de que teus seios são os cachos. Subirei à palmeira, apanhar-lhe-ei os cachos. Sejam teus seios como cachos de uva, e o odor do teu sopro como o das maçãs.” (Ct 7,7-9)

sábado, 14 de novembro de 2009

Chora danada

E ora direis ouvir estrelas
E o que faço para ouvi-las tresloucado amigo?
E eu vos responderei:
-Chupe um binguelo

E se se morre de amor?
Sim, se morre
Quer descobrir?
-Lamba um cú

E do que Teresa gosta?
-É de fazer uma rosqueada
Um meia nove; uma suruba
Beber porra na chupada

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Na ingênua esperança de em um soneto

"O que é que eu posso contra o encanto desse amor que eu nego tanto, evito tanto e que, no entanto, volta sempre a enfeitiçar? (...) Vou colecionar mais um soneto, outro retrato em branco e preto, a maltratar meu coração."
(Chico Buarque/Tom Jobim)

Na ingênua esperança de em um soneto
Conseguir dizer o que de ti diante
Cala-me o peito, em atropelo, arfante,
Componho outro retrato em branco e preto.

Antes de vir o primeiro terceto
As lágrimas já vestem meu semblante
Escrevo mais uma estrofe aberrante;
Uma pieguice; e um termo obsoleto.

Persiste de tua presença a afasia,
Mas sigo e encontro a parca demasia
Dos meus ilustres versos ordinários.

E esgotarei toda minha poesia
Ofertando-te, oh flor de primazia,
Tantos sonetos quantos necessários.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Último duelo

Para um tenente gaúcho

Também não te esqueci
Sonhei com o desfecho
Da nossa labuta
Da nossa disputa
...filho da puta
Fim de guerra, nós dois derrotados e prisioneiros
O coronel inimigo, a par do rancor antigo, nos presenteia:
-Já sei que os dois não podem se ver. Vou mandar degolá-los de pé e depois vão apostar uma corrida. Só Deus sabe quem vai ganhar.
Vais honrar teus pampas?
E se ganhares
A desforra será no inferno
Quando lá nos encontrarmos.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Terrível Engano

E ao acordar percebeu que não estava mais no seu quarto. Mas preferia assim. Quem o atendeu foi uma forma fractal de uma voz extremamente singular. E com uma expressão, sabia, reconhecia da terra, de preocupação.
“- Senhor José Jó de Marcos?”.
“– Sim”.
“– Cometemos um terrível engano”.
Não entendia bem do que se tratava, nem conseguia lembrar direito o que acontecera com ele na noite anterior. Sabia que o dia que antecedera aquele episódio não tinha ido bem, mas isso era natural. Sempre fora assim com ele.
“– Bem, após uma revisão no setor de distribuição, percebemos que o senhor foi enviado à família errada, ao destino errado, a vida errada. Sei que é difícil para o senhor. E pedimos mil perdões por isso.”
Só ouvira a primeira parte daquela extensa frase, daquela extensa revelação. Sempre teve a impressão que não podia ter nascido para aquilo, que não merecia tal penitência e que tudo aquilo não era justo. Mas ter a confirmação daquilo, saber que tudo tinha sido um erro, um lapso, e não daqueles que você comete por escolhas, mas sim, por que simplesmente nasceu. Isso era perturbador. Pensou em acordar, mas deixou-se por um tempo.
“– De forma que para compensar tudo que passou até os dias de hoje lhe gratificamos com a salvação eterna”.
Que engraçado, imaginava mesmo que só teria paz após a morte, mas nunca que seria em acordo tão disforme. Mas e as cicatrizes? Foram na alma. O acompanharia mesmo ao inferno. Trinta e três anos. Noites sem adormecer. Cintos pesados na sua infância. Fome. Surras na rua. Agulhas na veia. Quantas vezes pensou em dormir mais uma hora todo dia. Quantas virgens seriam suficientes para apagar todos os estupros em seu corpo? Quantas árvores da vida para saciar sua fome? Quantos rios de leite e mel, para diminuir sua cede? É certo que atravessou um longo deserto, mas não era, não precisava ter sido sua essa jornada. E de tudo, agora tinha ficado o medo que o pastor percebera com um olhar de nada poder fazer. O medo de que sua alma não sobrevivesse aos próximos prósperos dias no céu.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Dois Meses

(clique aqui para ouvir esta canção)

Uma é branca, nua, bela
E furta a luz do sol
A outra é meio amarela
E quer ser como um rouxinol

Como se sozinhas não bastassem
Aparecem na mesma tomada

Uma é descara
Expõe-se no célico hall
A outra é recatada
Não divide seu lençol

E num displicente fim de tarde
Se fundindo, reinventam a arte

Quem dera eu ter tela, e tinta, e dom
Pra pintar, pra guardar essa imagem
Mas só tenho minha guitarra e minha garra
Então, pinto-a em som

Te traço em melodias
Te pinto no tom que entender bem

Melhor uns meses contigo
Do que todos os vinte um anos que vivi sem