segunda-feira, 30 de abril de 2012

Sr. Machado


Pegou o primeiro livro da pilha que deixara sobre a mesa de cabeceira e saiu. Nada como boa literatura a beira mar de Copacabana. Não fez questão de olhar de imediato qual fora o escolhido, mas o sabia bom.

Na saída do hotel já lhe vieram os devaneios de sempre. Começou a imaginar como seria a caminhada e leitura, fantasiando algumas estórias, como o de costume. Afinal, todos nós construímos essas peças em nossas cabeças, sonhando situações hipotéticas, ainda que improváveis, criando inclusive, com minúcias, os diálogos que teríamos. Exatamente destas, que nunca se concretizam. Como ser descoberto por olheiros numa pelada de rua; ou ser violentamente assediado pela vizinha, num dia comum, ao entrarem juntos no elevador. É interessante perceber a voz passiva; e que nunca somos o agente. Mesmo porque, se nos fosse permitido, ou tivéssemos coragem de agir, não seriam contos.

Antes de alcançar a orla, passando por uma banca de jornal, lembrou-se de olhar a capa do livro, mas algo o fez desistir de verificar no momento. Decidiu somar também isto às suas fantasias. E lhe veio a ideia que procurava para iniciar um novo conto.

O rapaz caminha pela praia e por acaso esbarra com uma linda jovem. A moça o pergunta para onde está indo, e ele responde - apontando para o livro que trazia em suas mãos - que na verdade andava sem rumo certo, planejando encontrar algum lugar que julgasse seguro para sentar e ler alguns contos do Sr. Machado.

Sim! O livro seria de Machado de Assis. Um livro de contos. O mesmo que o inspirara a entrar no sebo mais cedo para comprá-lo, acabando por levar uma pilha de livros da loja. Não sabia ao certo em que termos colocaria a situação. Talvez pudesse iniciar com a indagação da moça, e depois esmiuçaria as circunstâncias em que ocorrera, como acreditava que faria o Sr. Machado, ou talvez esse fosse o desfecho. Nem sabia bem o porquê do “Sr. Machado”, deve ter tirado de algum lugar que não lembrava onde, e caso fosse seu, seria criativo, soava respeitoso e divertido ao mesmo tempo. Sentiu não ter trazido papel e caneta para registrar os pensamentos, a fim de não perdê-los.

A preocupação com a segurança, que de fato sentia, poderia também ser trabalhada. Um bom conto deve explorar as mazelas da sociedade, e com o Rio frequentemente monopolizando as manchetes e páginas policiais dos tablóides de todo país, esse apelo poderia ser interessante.

O relógio contava dezenove horas, e a orla estava movimentada. Bicicletas, patins, ou simplesmente pés caminhando.

Eram pés coloridos, outros brancos, outros pretos. Uns, de crianças, piscavam a cada passo. Alguns, mais velhos, respiravam entre tiras de couro. Nunca reparara como os pés, ou suas vestimentas, pudessem ser tão peculiares. Uns mais compridos que os outros; uns gordos; uns magros. E prosseguia entre pés, aflitos em sua maioria.

Finalmente, encontrou um banquinho agradável e iluminado para sentar-se e ler, perto de uma barraca de churros, onde a cada intervalo não maior que cinco minutos parava alguém para comprar o quitute. Em sua maioria, pais com os filhos esperneando pela iguaria; ou casais de jovens e adolescentes. Isso tomou sua atenção, deixando o livro esquecido e ainda desconhecido em suas mãos. Não custou que a situação lhe tomasse também o apetite, e entregou-se a tentação daquele doce de leite derretendo por dentro e fora da casca crocante e açucarada. Apenas aguardou que o atendente, um senhor de pés maltratados, não obstante, de simpatia contagiante, como deveriam ser todos os vendedores de doces, dispensasse os clientes da vez – mais um casal de namorados – e levantou-se, indo em direção ao velho.

Aproximou-se fazendo o pedido e – em tão perfeita sincronia, como não haveria de ter sido alcançada se previamente ensaiado – uma jovem que chegara no mesmo instante pelo outro lado da calçada, tendo deste modo sido encoberta pela barraca e fugido de sua vista, juntamente a ele, o fez em uníssono.

-Um, por favor!

No primeiro instante, apenas ouviu a voz de sua parceira de dueto, em harmonia com a sua. De timbre sublime, a propósito. Precisou esticar o pescoço para o lado se certificando que não fora só impressão. E encantou-se também com o que vira. Em especial, os pés mimosos.

Depois de algumas desculpas mútuas por terem tomado um a vez do outro, como um genuíno cavalheiro, deu preferência a dama. Ela agradeceu, mas nesse instante o carismático vendedor, que já se adiantara, estava com os dois pedidos prontos em suas mãos. Recebeu os pagamentos e saiu do meio dos jovens, como quem soubesse o mais sábio a se fazer.

Eles se olhavam envergonhados, sem trocar uma palavra, procurando as certas. Até que ela tomou a iniciativa.

- Para onde você está indo? Perguntou.

E depois de alguns instantes de outro silêncio não incomodo, dentre um sorriso indefinido - e uma espiada na misteriosa capa, para ter certeza do que diria - respondeu ele, mostrando-lhe o livro que trazia às mãos.

- Na verdade, estou sem rumo certo. Planejava encontrar algum lugar que julgasse seguro para sentar e ler alguns contos do Sr. Machado.

E tendo o conto terminado em sua memória, preferiu não arriscar mais. Voltou imediatamente ao hotel para fazer o registro da ideia.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Morfologia

Tijolos de letras
Morformam os muros de palavras
Que estruturam meu castelo

De janelas clássicas
Arquitetura moderna
Temática rústica

Leões repousam
Afixados à porta
Crocodilos submergem
Sob a ponte
De madeira podre
Que liga os jardins
Fartos em avencas

Minhas radicais
Estátuas inexoráveis
Imponentemente fixas
Nos mórbidos
Mórficos quintais

Acaso não te agrades
Demole-o
De teus livros

des
constr
u
a
o meu

Construa o teu!

sexta-feira, 13 de abril de 2012

domingo, 8 de abril de 2012

Poeminha em louvor daquele que bebe Johnnie Walker como professor

(Para Renan Silva)

Não importa a mesa
Se é redonda
Se é quadrada
Se é

Tampouco cuidas com o momento
Com o tempo
Com o clima
Dia claro
Noite escura

Vale o inebriante conteúdo
Que não é álcool
Nem líquido

São lembranças
Transbordantes no copo
Seja este de cristal
Ou caneca de barro

Invisíveis aos olhos
Visíveis nos olhos
Pela alma

E bebes:
Um gole de Lays
Outro gole de Lays
Outros goles...