Pegou o primeiro livro da pilha que deixara sobre a mesa
de cabeceira e saiu. Nada como boa literatura a beira mar de Copacabana. Não
fez questão de olhar de imediato qual fora o escolhido, mas o sabia bom.
Na saída do hotel já lhe vieram os devaneios de sempre.
Começou a imaginar como seria a caminhada e leitura, fantasiando algumas
estórias, como o de costume. Afinal, todos nós construímos essas peças em nossas
cabeças, sonhando situações hipotéticas, ainda que improváveis, criando
inclusive, com minúcias, os diálogos que teríamos. Exatamente destas, que nunca
se concretizam. Como ser descoberto por olheiros numa pelada de rua; ou ser
violentamente assediado pela vizinha, num dia comum, ao entrarem juntos no
elevador. É interessante perceber a voz passiva; e que nunca somos o agente.
Mesmo porque, se nos fosse permitido, ou tivéssemos coragem de agir, não seriam
contos.
Antes de alcançar a orla, passando por uma banca de
jornal, lembrou-se de olhar a capa do livro, mas algo o fez desistir de
verificar no momento. Decidiu somar também isto às suas fantasias. E lhe veio a
ideia que procurava para iniciar um novo conto.
O rapaz caminha pela praia e por acaso esbarra com uma
linda jovem. A moça o pergunta para onde está indo, e ele responde - apontando
para o livro que trazia em suas mãos - que na verdade andava sem rumo certo,
planejando encontrar algum lugar que julgasse seguro para sentar e ler alguns
contos do Sr. Machado.
Sim! O livro seria de Machado de Assis. Um livro de
contos. O mesmo que o inspirara a entrar no sebo mais cedo para comprá-lo,
acabando por levar uma pilha de livros da loja. Não sabia ao certo em que
termos colocaria a situação. Talvez pudesse iniciar com a indagação da moça, e
depois esmiuçaria as circunstâncias em que ocorrera, como acreditava que faria
o Sr. Machado, ou talvez esse fosse o desfecho. Nem sabia bem o porquê do “Sr.
Machado”, deve ter tirado de algum lugar que não lembrava onde, e caso fosse
seu, seria criativo, soava respeitoso e divertido ao mesmo tempo. Sentiu não
ter trazido papel e caneta para registrar os pensamentos, a fim de não
perdê-los.
A preocupação com a segurança, que de fato sentia, poderia
também ser trabalhada. Um bom conto deve explorar as mazelas da sociedade, e
com o Rio frequentemente monopolizando as manchetes e páginas policiais dos
tablóides de todo país, esse apelo poderia ser interessante.
O relógio contava dezenove horas, e a orla estava movimentada.
Bicicletas, patins, ou simplesmente pés caminhando.
Eram pés coloridos, outros brancos, outros pretos. Uns, de
crianças, piscavam a cada passo. Alguns, mais velhos, respiravam entre tiras de
couro. Nunca reparara como os pés, ou suas vestimentas, pudessem ser tão
peculiares. Uns mais compridos que os outros; uns gordos; uns magros. E
prosseguia entre pés, aflitos em sua maioria.
Finalmente, encontrou um banquinho agradável e iluminado
para sentar-se e ler, perto de uma barraca de churros, onde a cada intervalo não
maior que cinco minutos parava alguém para comprar o quitute. Em sua maioria, pais
com os filhos esperneando pela iguaria; ou casais de jovens e adolescentes.
Isso tomou sua atenção, deixando o livro esquecido e ainda desconhecido em suas
mãos. Não custou que a situação lhe tomasse também o apetite, e entregou-se a
tentação daquele doce de leite derretendo por dentro e fora da casca crocante e
açucarada. Apenas aguardou que o atendente, um senhor de pés maltratados, não
obstante, de simpatia contagiante, como deveriam ser todos os vendedores de
doces, dispensasse os clientes da vez – mais um casal de namorados – e
levantou-se, indo em direção ao velho.
Aproximou-se fazendo o pedido e – em tão perfeita
sincronia, como não haveria de ter sido alcançada se previamente ensaiado – uma
jovem que chegara no mesmo instante pelo outro lado da calçada, tendo deste
modo sido encoberta pela barraca e fugido de sua vista, juntamente a ele, o fez
em uníssono.
-Um, por favor!
No primeiro instante, apenas ouviu a voz de sua parceira
de dueto, em harmonia com a sua. De timbre sublime, a propósito. Precisou
esticar o pescoço para o lado se certificando que não fora só impressão. E
encantou-se também com o que vira. Em especial, os pés mimosos.
Depois de algumas desculpas mútuas por terem tomado um a
vez do outro, como um genuíno cavalheiro, deu preferência a dama. Ela
agradeceu, mas nesse instante o carismático vendedor, que já se adiantara,
estava com os dois pedidos prontos em suas mãos. Recebeu os pagamentos e saiu
do meio dos jovens, como quem soubesse o mais sábio a se fazer.
Eles se olhavam envergonhados, sem trocar uma palavra,
procurando as certas. Até que ela tomou a iniciativa.
- Para onde você está indo? Perguntou.
E depois de alguns instantes de outro silêncio não
incomodo, dentre um sorriso indefinido - e uma espiada na misteriosa capa, para
ter certeza do que diria - respondeu ele, mostrando-lhe o livro que trazia às
mãos.
- Na verdade, estou sem rumo certo. Planejava encontrar
algum lugar que julgasse seguro para sentar e ler alguns contos do Sr. Machado.
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