segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Ruínas estreladas


Meu pai não ia ao Almeidão desde aquele trágico 4 x 4 contra o Ituano em 2003. Quando ele soube que eu iria sozinho na última quarta-feira contra o Guarabira, ligou surpreendentemente se oferecendo para me acompanhar. Fui buscá-lo em sua casa. No caminho, nós dois íamos calados; no som, Noel Rosa:

Não te vejo nem te escuto
O meu samba está de luto
Eu peço o silêncio de um minuto
Homenagem à história
De um amor cheio de glória
Que me pesa na memória


Lembrei-me dela, fora inevitável. Meu pai nem sonhava que ela estivera ali, no mesmo banco em que ele estava sentado, a me encher de beijos e ternuras. Para afastar tais lembranças, desliguei o som e comecei:

- Comprei um livro de Roberto Gomes, contista curitibano. O senhor conhece?
- Não.
- Contemporâneo e conterrâneo de Trevisan.
- É mesmo? Nunca ouvi falar. Mas Trevisan, esse sim. Você deve ter lido aqueles contos curtíssimos que mais parecem poemas ou pequenos diálogos. O cara é ousado tanto no aspecto formal quanto no conteúdo. Mas o tal Roberto é bom?
-Achei melhor que Trevisan.
-Duvido - desafiou.

Percebi que estava embriagado. Na entrada do estádio, ao saber o preço do ingresso, fez espetáculo:

-16 reais para ver uma pelada dessa? É um absurdo! Esse time do Botafogo só pode estar recheado de estrelas. Por que mulher só paga 5 reais? É melhor o cara ser gay então! – bradou, arrancando gargalhadas de quem estava ouvindo.

Saiu da fila para ver se encontrava um preço melhor, me deixando sozinho. Fiquei preocupado, pois no estado em que ele se encontrava seria confusão na certa. Tive vontade de chorar, porém ele apareceu de repente com o ingresso na mão, tendo conseguido economizar 1 real. Passamos pela catraca e, após a revista, soltou outra na frente do policial:

- O cabra pagar 15 reais para um macho desse ficar pegando no meu saco e na minha bunda é de lascar...

Quando subimos elogiou o gramado, os refletores e a implantação de novos assentos nas arquibancadas. Encontrou velhos conhecidos. Ao sentarmos, comprou amendoins, cujo gosto me fez lembrar da infância e de quando ele me levou pela primeira vez ao Almeida Filho. Para disfarçar a emoção, perguntei:

- Os refletores foram construídos na inauguração do estádio?
- Sim, foi no governo de Ernani Sátiro, que inclusive foi um bom romancista a exemplo de José Américo.
- E o senhor já leu a obra de Ernani Sátiro?
- Já. O seu avô dizia que Ernani conhecia bem as técnicas do romance. Muitos governadores da Paraíba também foram escritores.

Quando o jogo começou, havia um grupo de torcedores de pé à nossa frente. Para não perder o costume, meu pai gritou:

- Senta! Senta! Isto aqui não é o Maracanã!

Para evitar confusões, levei-o para um lugar mais vazio a despeito de sua resistência. Assistia ao jogo criticando o Botafogo. Nem o pênalti defendido pelo nosso goleiro nem o gol de Edmundo bastaram para animá-lo. Fim de primeiro tempo. Levantou-se para procurar refrigerante e o meu coração disparou preocupado outra vez. Voltou. Ficou calado durante todo o segundo tempo. No fim do jogo, perguntei:

-O que achou do time deste ano?
-Horrível. Vai ser peia de novo. Vocês são uns iludidos, pois se vangloriam por ganhar de 1x0 do Guarabira, um time de passadores de fome.Me desculpe, mas quem já viu Nininho, Lando, Chico Matemático e Magno arrebentarem não só contra essas porcarias do interior, mas contra Flamengos, Cruzeiros e Internacionais da vida, não se contenta apenas com isto que acabo de ver. Sou mal-acostumado. Espero que Guilherme não se decepcione tanto quando tiver consciência.

Eu não concordei, porém não respondi. Eu sou o Botafogo; herdei suas poucas glórias, seus muitos fracassos e seus sucessivos abandonos, mas nunca desisti de ser o que sou e meu pai sabia disso.

Na saída ele quis ir ao banheiro e me pediu para esperá-lo. Assim que entrou, meu celular tocou e me espantei ao ver que era ele que me ligava. Decerto estaria passando mal ou coisa parecida. Quando atendi, falou com sobriedade:

-Eu já estou em casa, pode ir em paz. Dirija com cuidado - e desligou.

Entrei no banheiro e não o encontrei. Aí eu chorei. Peguei o carro e fui sozinho para casa.

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