Não voltara àquela cidade fazia tanto tempo que esquecera que quase todas as ruas eram curvas para um lado que ele não sabia subir. Pelo que havia entendido, passara-se dois anos, onze meses e sete dias daquela chuva ralinha, daquele céu nublado e daqueles dias sem estrelas. Achava pouco, apesar de não confessar em voz alta, “- o certo seria Deus enviar enfim uma tempestade que banisse do mapa toda aquela gente e suas casas de pracinhas tão tristes”. Mas não o fizera até então e acabara de esvair-se a última esperança de fazê-lo. Quando subia a ladeira íngreme de curvas que não sabia onde iam dar, tivera a certeza absoluta de que era tarde demais para pensar em regressar, para desistir. E a correnteza das recordações, das lembranças e das mágoas o jogou com tanta força para longe que quando conseguiu voltar, ainda atônito e ferido dos galhos que as águas levavam em sua dança de destruição, não teve o que dizer e baixou a cabeça e continuou andando. Anos depois, teria a infundada impressão de que as únicas coisas que se cruzaram naquele instante do passado foram seus olhos enevoados de vergonha. Concluiu, então, que ali foram feitos dois enterros: o de sua mãe de criação e o seu. Ensopado pela chuva, acordou em um pesadelo que mais ainda o afastaria o resto da vida daquele lugar. A cova onde sua mãe seria sepultada para todo sempre amém era uma poça de lama sete palmos abaixo da terra. E as tentativas de secar aquela moradia eterna e tardia eram seguidas de fracassos memorados por séculos na vila de farrapos do tempo. Após sete horas de tentativas funestas, a penúltima constatação fúnebre: o buraco cavado era menor do que os um metro e sessenta e dois centímetros, oitenta e cinco quilos e quase um século de vida. Quando a noite já caia, confundindo-se com a penumbra formada pelas nuvens que insistiam em ficar, um passo mal calculado jogou ao solo toda a sua infância dentro do túmulo, mas o choque com o chão antes do tempo abriu parcialmente o baú de madeira e deixou revelar de seu claustro, estirada para seu lado, a mão fria e branca que tantas noites lhe botaram para dormir e o pranto contíguo com a chuva para que ninguém percebesse sua dor. E chegou a sua derradeira lição: os mortos também choram.
quinta-feira, 28 de julho de 2011
terça-feira, 19 de julho de 2011
Fitos, meus vis, em teus olhos de mar
A uma ingrata
"Whoever loved that loved not at first sight?"
(Shakerpeare - As You Like It)
Fitos, meus vis, em teus olhos de mar
De súbito, um desejo me aprisiona
Em fera paixão que a antiga abandona
Pra que tu abarques o meu parco amar
Tolos vão, por incrédulos, julgar
Ser efêmero o ardor que me emociona
Mas com os encantos que ostenta a dona
Escusado seria mais que um olhar
A propósito, em mim, não foi o amor,
Como nunca em ninguém fora, nascido
Este não vem senão de um predispor
Já se nasce com ele, adormecido
Semente a espera de tornar-se flor
Ao vir do anjo a quem fora prometido
(Shakerpeare - As You Like It)
Fitos, meus vis, em teus olhos de mar
De súbito, um desejo me aprisiona
Em fera paixão que a antiga abandona
Pra que tu abarques o meu parco amar
Tolos vão, por incrédulos, julgar
Ser efêmero o ardor que me emociona
Mas com os encantos que ostenta a dona
Escusado seria mais que um olhar
A propósito, em mim, não foi o amor,
Como nunca em ninguém fora, nascido
Este não vem senão de um predispor
Já se nasce com ele, adormecido
Semente a espera de tornar-se flor
Ao vir do anjo a quem fora prometido
quarta-feira, 6 de julho de 2011
Meus confusos olhos espreitam ciosos
"Minha dor é te ver por aí
Nessa leveza insustentável de ser"
(Tunai)
Meus confusos olhos espreitam ciosos
Toda languidez a que circunscreve
Teu pálido corpo, de traço leve,
De mãos delicadas, de pés mimosos
Sorvem-lhe o leite, meus lábios ditosos
Dos cândidos seios, flocos de neve
Mas finda o prazer de meu sonho breve
Num alvorecer de raios queixosos
Dou-me conta da onírica diabrura
E então levanto, em favor da inocente,
Contra mim mesmo, minha própria fúria
Atormenta-me ver que uma alma pura
Possa despertar querer tão ardente...
Tanta lascívia... tamanha luxúria.
Nessa leveza insustentável de ser"
(Tunai)
Meus confusos olhos espreitam ciosos
Toda languidez a que circunscreve
Teu pálido corpo, de traço leve,
De mãos delicadas, de pés mimosos
Sorvem-lhe o leite, meus lábios ditosos
Dos cândidos seios, flocos de neve
Mas finda o prazer de meu sonho breve
Num alvorecer de raios queixosos
Dou-me conta da onírica diabrura
E então levanto, em favor da inocente,
Contra mim mesmo, minha própria fúria
Atormenta-me ver que uma alma pura
Possa despertar querer tão ardente...
Tanta lascívia... tamanha luxúria.
terça-feira, 5 de julho de 2011
A Minca Não Tem Coração
(clique aqui para ouvir esta canção)
Nu
Deitado a cama
Choro no meu quarto
Sem ninguém ao lado
Só meu violão
Faço verso
Faço prosa
Poesia
Faço melodia
E nada que me faça bem
Não há razão em lutar
Se o que desejo não há
A Minca não tem coração
A Minca não tem coração
A Minca não tem coração
Me entrego ao sono
O ensaio da morte
Sonhando em afinal
Entrar em cartaz
Vejo Hades
Em suas belas vestes negras
Displicentemente andando
Pelo meu quintal
Transponho o avesso do muro
Pra continuar no escuro
A Minca não tem coração
A Minca não tem coração
A Minca não tem coração
Não sei mais se durmo
Se só deliro
Ou se parti já dessa
Pra uma melhor
Quando acho
Que mais nada
Tenho a dar
Me vem então a madrugada
E surge essa canção
Pra ti
Pra me mostrar:
Que pena...
Não tô morto não
Nu
Deitado a cama
Choro no meu quarto
Sem ninguém ao lado
Só meu violão
Faço verso
Faço prosa
Poesia
Faço melodia
E nada que me faça bem
Não há razão em lutar
Se o que desejo não há
A Minca não tem coração
A Minca não tem coração
A Minca não tem coração
Me entrego ao sono
O ensaio da morte
Sonhando em afinal
Entrar em cartaz
Vejo Hades
Em suas belas vestes negras
Displicentemente andando
Pelo meu quintal
Transponho o avesso do muro
Pra continuar no escuro
A Minca não tem coração
A Minca não tem coração
A Minca não tem coração
Não sei mais se durmo
Se só deliro
Ou se parti já dessa
Pra uma melhor
Quando acho
Que mais nada
Tenho a dar
Me vem então a madrugada
E surge essa canção
Pra ti
Pra me mostrar:
Que pena...
Não tô morto não
Assinar:
Postagens (Atom)