Não voltara àquela cidade fazia tanto tempo que esquecera que quase todas as ruas eram curvas para um lado que ele não sabia subir. Pelo que havia entendido, passara-se dois anos, onze meses e sete dias daquela chuva ralinha, daquele céu nublado e daqueles dias sem estrelas. Achava pouco, apesar de não confessar em voz alta, “- o certo seria Deus enviar enfim uma tempestade que banisse do mapa toda aquela gente e suas casas de pracinhas tão tristes”. Mas não o fizera até então e acabara de esvair-se a última esperança de fazê-lo. Quando subia a ladeira íngreme de curvas que não sabia onde iam dar, tivera a certeza absoluta de que era tarde demais para pensar em regressar, para desistir. E a correnteza das recordações, das lembranças e das mágoas o jogou com tanta força para longe que quando conseguiu voltar, ainda atônito e ferido dos galhos que as águas levavam em sua dança de destruição, não teve o que dizer e baixou a cabeça e continuou andando. Anos depois, teria a infundada impressão de que as únicas coisas que se cruzaram naquele instante do passado foram seus olhos enevoados de vergonha. Concluiu, então, que ali foram feitos dois enterros: o de sua mãe de criação e o seu. Ensopado pela chuva, acordou em um pesadelo que mais ainda o afastaria o resto da vida daquele lugar. A cova onde sua mãe seria sepultada para todo sempre amém era uma poça de lama sete palmos abaixo da terra. E as tentativas de secar aquela moradia eterna e tardia eram seguidas de fracassos memorados por séculos na vila de farrapos do tempo. Após sete horas de tentativas funestas, a penúltima constatação fúnebre: o buraco cavado era menor do que os um metro e sessenta e dois centímetros, oitenta e cinco quilos e quase um século de vida. Quando a noite já caia, confundindo-se com a penumbra formada pelas nuvens que insistiam em ficar, um passo mal calculado jogou ao solo toda a sua infância dentro do túmulo, mas o choque com o chão antes do tempo abriu parcialmente o baú de madeira e deixou revelar de seu claustro, estirada para seu lado, a mão fria e branca que tantas noites lhe botaram para dormir e o pranto contíguo com a chuva para que ninguém percebesse sua dor. E chegou a sua derradeira lição: os mortos também choram.
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