terça-feira, 29 de setembro de 2009

Tratado sobre o "adeus"

Nunca argumente um “adeus”, isso só piora a situação
Nunca diga “adeus” antes de um beijo, isso só confunde a circunstância
Nunca diga mais de um “adeus”, não se parte duas vezes
Nunca diga “adeus” se pretende ficar, pode ser tarde
Nunca diga “adeus” esperando que digam “fique”,
Pode ser que não digam
E se não disserem pode ser que você se vá

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Necessidade

Eu precisava disso...

Não das lágrimas em si,
Não do grito,
Nem ao menos da boca aberta
Ou a expressão disforme.

Eu precisava do desabafo,
Que, infelizmente, teve de vir dessa forma.

No caminho, a calçada me parecia não ter fim
A cada passo, eu ficava mais longe de chegar em casa
Até que, de repente,
Me vi deitado no sofá
Com o rosto encharcado.

Como eu precisava disso!

sábado, 26 de setembro de 2009

Do fim

Para você "R"

Que as palavras cessaram ali. Eis que surge o longo caminho do silêncio. Eis que nasce a enorme “via crúcis” da dor. “-Talvez” era a resposta que tinha a dar a tudo. Provavelmente devesse se chamar “incerteza”. Era a jornada que teria que perpassar... Como o vento gelado que transpassa seu corpo como quem sucumbe sua alma.

Arrependera-se dos gestos que morreram, dos sorrisos que ficaram, dos beijos que não deu.

“-As noites que não dormi...” Sentia falta da insônia e do abajur japonês que fazia arco-íris e que ficou em sua mente.

Não poderia aceitar aquele amor negro. Não iria seguir outra vez aquela curva escura, nem tão pouco acreditar nas suas mentiras. E se orgulharia, com um pouco da boa inveja, dos amigos Macário e Penseroso. Por que o primeiro, por mais que por vezes não enxergasse, amava há uma, muito e para sempre e não importava o tempo, nem a dor, nem os desencontros, nem os encontros pouco desejados. Já o segundo inocentava até o mais culpado dos réus, e amava como que idealizasse o próprio amor... Acreditava em tudo e, cômico, sonhava com o “Adeus!” e com o “Volto já!” que sinto, provavelmente, nunca chegará a ver.

E que fico parado fora de casa tentando ler tua mente na neblina, na noite perdido em frente a tua janela.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Spleen

"Vejo-vos, pensamentos, alterados;
e não quereis, de esquivos, declarar-me
que é isto que vos traz tão enleados?
Não me negueis, se andais para negar-me;
que, se contra mim estais alevantados,
eu vos ajudarei mesmo a matar-me."
(Luís Vaz de Camões)


Há alguns meses atrás, eu diria que a desejava. No entanto, nesse momento, imploro de joelhos por Ela.

Eu estaria completando dois anos de namoro, exatamente dentro de um mês. É provável que eu estivesse me descabelando atrás do presente ideal. Ou não. Mas, com certeza, estariam fazendo isso em busca do meu. Talvez me desse um carro de controle remoto que sanaria a frustração de minha infância, quem sabe algum CD do Tom ou do Chico, quiçá um artigo erótico. Porém, o mais provável é que me presenteasse com algum tipo de artefato feito por suas próprias mãos, o que me deixaria ainda mais contente que as três possibilidades anteriores juntas. E a caixa, que ela própria também construiria, possivelmente seria enfeitada com um desenho de dois animais em situação romântica que nos representariam, ou, quem sabe, com fotos nossas.

Fotos. Devíamos ter tirado mais. Poucas são as que tenho guardadas. Algumas tiradas de surpresa, na verdade, muitas tiradas de surpresa, a grande maioria. Às vezes a via parada, como quem pensasse em algo tão fascinante que a tirava da realidade - gosto de pensar que eu fazia parte desses pensamentos - nessas horas, aproveitava as facilidades da tecnologia que portamos no bolso e não perdia a oportunidade de registrar aquilo. São assim quase todas as fotografias que tenho dela: sem que eu esteja ao lado. Não posso acreditar que tiramos tão poucas fotos juntos em quase dois anos.

Dois anos. Faria dois anos que a amo. Talvez não exatamente isso, talvez mais tempo, talvez menos, não saberia dizer ao certo quando o amor apareceu, se antes ou depois que a pedi em namoro dentro do cinema. Provavelmente depois, o amor vem com o tempo, quando você começa a admirar as qualidades e achar graça dos defeitos do outro. A paixão posso dizer que já existia, ela sim é capaz de aparecer do nada, como vemos nos filmes, ou como quando assistimos a algum e reparamos aquela que está sentada na nossa frente, e então já não sabemos o que se passa na tela, estamos construindo nosso próprio filme em nossa mente, ou de fato. Em contrapartida, essa paixão que nos toma do nada, evapora-se rápido, e, depois disto, só vai aparece de vez em quando, em uns picos de adrenalina que certos momentos nos despertam. O amor fica, às vezes escondido em algum canto que não sei onde, mas fica. Sendo que costuma tanto se esconder, que nos faz esquecê-lo vez ou outra, o que gera confusões. Acredito que o que vai definir se um casal vai ou não permanecer junto, é o quanto dura a paixão, pois ela precisa sobreviver tempo suficiente para que o amor brote, quando ele tem de brotar. Enfim, eu diria que me apaixonei há mais tempo que amo, mas permaneci (e permaneço) amando muito mais tempo que apaixonado. Talvez esse tenha sido um erro: desprezar a paixão. Ela é inferior ao amor, mas nem por isso deixa de ser necessária. O que sei é que agora os dois sentimentos me voltam com uma intensidade sufocante, mas parece ser tarde.

Dirá ela que foi melhor assim. Não concordo. Mas nada posso fazer pra mudar seu pensamento. Verdade que eram muitas as diferenças, nos desentendíamos constantemente, até chegar ao ponto em que a vida tornou-se um inferno, e só o que eu queria é que Ela viesse para por um fim nisto. O que, podem perceber, não foi feito.

Muitos concordariam que não tinha mesmo jeito de darmos certo, outros poderiam jurar por deus que nascemos um para o outro. Mas isso também não sei, e nunca poderemos saber. Na realidade, nunca sabemos de nada, só o que podemos ter certeza é do que achamos. E o que acho é que teríamos filhos lindos, uma bela casa desenhada por ela - mas com muitos pitacos meus - e uma vida cheia de altos e baixos, como são as vidas dos amantes, como sempre foi nossa vida. E achar isso me dói ainda mais.

No entanto, tudo me leva a crer que nunca terei confirmação de nada disso. Pois, a cada dia, mais anseio por Ela. E, em pouco tempo, serei capaz de trazê-la mesmo à força, se não vier atrás de mim.


"Poetas! amanhã ao meu cadáver
Minha tripa cortai mais sonorosa!...
Façam dela uma corda e cantem nela
Os amores da vida esperançosa!"
(Alvares de Azevedo)

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Continho de fadas ao inverso

“Por que eram unidos por uma dor em comum”
(Veloso)

Ele

Talvez, agora parando para pensar, devesse ter ligado. Sentira saudades das tempestades, das noites nubladas, das geadas furtivas, das almas anuviadas e dos pensamentos roubados. “-É...”. Agora, o que o cercava era o temor de olhar lá fora e se ver encharcado acenando o olhar à luz do único poste aceso... Cingido de sombras, tinha medo de deixar-se confundir com a dor que sentia.

Ela

“E foram felizes para sempre”. “-Não...”. Nem sequer foram felizes qualquer dia. Descobrira muito cedo, perdera muito dos sonhos, que sapos são sempre sapos. Que todos os castelos que se acostumara a desenhar nas revistas com fotos européias eram desde sempre vazias como ela mesma hoje se sentia.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Como Camões um dia observara

Como Camões um dia observara
Se por reles Ninfa o filho pujante
De Latona sofrera coita amara
Quem dirá eu sendo de estirpe errante?

Antes que eu não pertencesse a tal raça
Quinta, de ferro, que Hesíodo enevoa
Quiçá ousaria partir à caça
Do amor da Deusa que às deusas destoa

Contento-me a observar a graça
Tão languida e pequena, que gigante
Do Olimpo, inalcançável habitante

Bela! De deixar atônita a praça
Que alegre se torna, a ela perante:
Faz-me poeta; e refaz-me em amante.

sábado, 19 de setembro de 2009

Reconciliação

"Por que pensei e meu
mundo se tornou teu”
(Veloso)

Talvez ela tenha pensado naquela hora: “Agora serei tua.... agora me toma para ti”. Mas bastou que ela ficasse calada para que ele soubesse. Sim... Ela seria dele ainda esta noite... Completamente dele... Inteiramente dele... E teria arrancado toda sua roupa em um único movimento como era de costume nas noites que não fora feliz. Mas preferira desabotoar botão por botão do seu corpo como que contasse os anos, os dias que sonhara com aquele momento.
Foi do silêncio mesmo que nasceram os gemidos, os gritos, os pedidos sussurrados no ouvido. Foi no vão da cama que surgira a nova intimidade. Foi no infinito do quarto que descobriu com nítida impressão todas as curvas do seu corpo.
“- Me beija”. Entre soluços que ele próprio não sabia distinguir se era choro. Aprendera por ali quase todos os atalhos para os espasmos... as convulsões e as contrações dos seus abraços. “- Sim...”. Ela lhe disse arquejando. “- Não pare!”. Ela pedia implorando. E ao mesmo tempo em que rasgava suas costas e mordia seu ombro, ora o olhava, e ele sentia imenso prazer nisso, ora orava a Deus... E em seus suspiros, e em seu último suspiro, sabia, sentira que aquele orgasmo era o presente, era o perdão divino para todos os seus pecados.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Singular

Perco a Lógica
Esqueço a tática
Erro a Prosódia
Desvendo a mágica
De ver-te
Cósmica
Áurea
Pálida
Lua rapsódica
Réplica inválida

Move-se a rua
Rara
Estrela
Estática
Vejo a tua cara
Crua
Nua
Sinopse sintética

Componho a música
Torpe
Assimétrica
Que ratifica a cláusula hermética
De ter-te
Cálida
Tórrida
Cômica
Em minha guitarra te busco sônica

Por minha ótica um tanto complexa
Crio mil sátiras
Vis
Antiéticas
Onde és minha
Vens lúbrica e lépida
Os lábios a encontrar meus lábios
Pra enfim
Sermos singular

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O rio

“Por que te dedico todos os meus pensamentos”
Para ti “R”

“Não...” Era a resposta que tinha a dar. Mas ficou olhando passível aquela cena. “Que não era mais o amor de antes... que o esqueceu dia-a-dia... que perdera nas noites sem delírio a magia dos primeiros encontros...” Teria lhe dito, mas deixou aquelas palavras impronunciáveis serem lançadas no esquecimento. Permaneceu calada temendo o abismo que ela percebia crescer entre eles e que ele simplesmente ignorava e estava prestes a cair.
Acabara... Mas ele não tomara ciência disso. E teria lhe dito tudo quanto estava preso na fossa de sua garganta... mas foi retida pelo soluço e pelas lágrimas que inundavam sua boca.
Já a cachoeira que se cultivava, também no rosto dele, formava duas correntezas que, apesar de seguirem caminhos opostos, se encontravam no chão.
Não... Não era como antes... Não estavam mais olhando o mesmo horizonte com as mesmas aspirações dos sonhos em comuns. Agora, fitavam qualquer coisa adiante. Tocavam de solstício um o corpo do outro, como que resgatando antigas lembranças... Porém, já não lhes bastava à coragem de se ver... A verdade é que a muito não se viam.
Ficaram ali parados por muito tempo... Inertes... Em silêncio... Ele ainda encenou argumentar uma última chance, mas foi vencido pelo adeus que ela não lhe disse, mas que ele sabia.

Não que teus olhos castanhos e francos

Não que teus olhos castanhos e francos
Por si só, deixassem a desejar
Ou dos cabelos compridos, meus brancos,
A reluzência não possa corar

Nem digo que teu sorriso sincero
Propagador de alegrias, não seja
Espelho de algum poema de Homero
Ainda que tão pouco e raro eu o veja

Porém, desejo é ouvir um só som
Única sílaba, breve quão for
Pelos lábios que desejo calar

Escapar, qual o teu do meu olhar
Para que, tua lira, eu possa compor
Para que eu possa cantar no teu tom

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Liberdade

Quando eu ouvir tua oclusiva imponente
No meu Gulliver
Aí sim

Sim

@renanled

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Menopausa

O dia ensolarado não dissipava em nada a neblina dos seus olhos negros. Guardava ali dentro todos os segredos das noites não dormidas.
Mas como explicar a seus amantes e amigos a perca irreparável? Acordara aquela manhã e notara que perdera, em qualquer cama no dia anterior, sua sexualidade.
Era evidente, agora em frente ao espelho, a falta da firmeza do seu corpo, a inconsistência dos seus músculos. Era certo que aquele cabelo não se parecia e nem fazia jus com o de outrora. Olhava-se nua e sua pele rosada e lisa ganhara cores e contornos que não distinguia. Até suas lembranças e seus trejeitos fundamentalmente eróticos estavam desencontrados e atrapalhados. Já não se reconhecia.
Ensaiou uma tentativa desesperada. Escarpou o corpo, levantou e deu sustância aos seios. Ancorou-os suspensos no ar. Diante da cômoda, agarrou uma rosa e a sustentou presa aos dentes (que a muito não eram os mesmos brancos marfins) e com as mãos amparou os cabelos embaralhados em uma posição quase paradoxal a que eles estavam acostumados estar. As incessantes cavalgadas e o desgaste da crina que tomavam o lugar dos cabrestos por falta de arreios davam forma fractal a tudo aquilo.
Vendo-se fracassada em seus esforços, calculou uma saída. Armou-se com todo o seu estoque de maquiagem e se pintou com uma perícia de pintora surrealista. Ornamentou-se e se vestiu para a grande surpresa. Nem o milagre da ciência e da tecnologia poderia esconder o inescondível. Por que a voz sussurrante e inaudível do destino finalmente se abatera sobre ela.
Naquele mesmo instante convidou um dos seus amantes para um último teste. Aceitava então o que a muito custo lutara para não ver. Não era mais capaz de sentir prazer e estava muito aquém do prazer que já foi capaz de dar. De resto, ainda guardava das lembranças seus olhos negros e com eles todos os segredos dos quais não poderia nunca mais provar.

domingo, 13 de setembro de 2009

Se a vida não fosse um tanto sacana

Se a vida não fosse um tanto sacana
Quem sabe a mim não aparecerias
Impondo a coita dos últimos dias
Poupando-me o vinho e o copo de cana

Marcus James não só, mas Dom Afonso
Teria folga de minha companhia
Mas invoco, no cume da agonia
Suas baforadas pelas quais me esconso

Assim, enquanto a dor não alivia
Dou-me aos demônios e sua serventia
O que me resta é aproveitar o luto

Prossigo então, do poço, no fundo
E amaldiçoando a Deus (a ti) e ao mundo
Eu bebo, blasfemo e fumo charuto

sábado, 12 de setembro de 2009

"R"

Se o vento entre as folhas da copa não tivessem escorrido o som e a correnteza levado metade de minha voz, teria lhe dito, naquela acaso, que ficasse... mas não lhe disse.
Se a noite não tivesse tapado todo meu rosto e a chuva não tivesse escondido meus prantos... Se... Terminei olhando o meio-fio e debulhando minha alma...
Não é que o anoitecer tivesse descido bem ao meio dia, mas confesso que meu espírito estava sombrio...
E se tivesse parado e guardado um pouco de nossas lembranças, se tivesse escondido o tempo, se tivesse congelado o momento, se tivéssemos abandonado o medo, se tivéssemos enfrentado o mundo...
Teria lhe dito, tempos depois, que o sol apareceu, mas que meu corpo continuava escuro e meus pés ainda sentiam inerte o frio da chuva do choro dos meus olhos. E que a geada dos dias anteriores não tinha passado. Que ela ainda estava distante dos meus braços.
E teria sofrido; e teria pensado; e teria constituído; mas isso nunca significou que continuei. Por que depois do “sim” foi o “não” que acalentou, que pós no sono, que deu carinho. Teria lhe sussurrado anos depois; décadas depois, entre nossos soluços de adeus: “não sei viver sem ti”. Por que envelheci ligeiro e por que amei muito e pouco.
Mas no por do sol seguinte foi nela que pensei olhando para o teto, foi dela que preservei cada afago, cada estrela no céu do nosso primeiro beijo. E eram poucas. A noite fez questão de está presente; as estrelas, de espiar a fábula e o céu de derramar lágrimas.
Uma vida depois e não ter sonhado com mais nada. Foi você quem esperei a vida toda.
Que se respeite um minuto de silêncio... ainda não aprendi a viver sem teus abraços, sem teu sorriso, sem teu perfume, sem tua voz, sem toda dádiva, sem o sossego e a inquietação que habitam teu corpo.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Para apreciar a fina poesia

Para apreciar a fina poesia
Não há uma hora ou um lugar contrário
Seja no quarto, ou sala, ou sanitário
Seja de noite, de tarde ou de dia

Como agora, eu cá, só porque no trono
Privar-me-ia de um belo soneto?
Negativo! Aos lusitanos me meto
Até pegar aqui mesmo no sono

Mas se encontro um Camões ou um Bocage
Sinto às vezes cometer um ultraje
Pois tal teoria tem seus revezes

Quando leio palavra tão profunda
Eu pauso, fecho o livro e limpo a bunda
Não é de bom gosto ler fazendo fezes

Coisa certa

Não foi por falta de adeuses que deixei de guardar sombras
Não foi por falta de silêncio que deixei de criar medos
Não foi por falta de vãos que deixei de inventar saudades
Não foi por falta de escarros que deixei de instituir asco

Por que não há nada pior do que reconhecer que se é fraco

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O tártaro em que estou, não me rodeia

O tártaro em que estou, não me rodeia
De dentro para fora é que ele atua
Rubras labaredas minha alma sua
Tenho lava em meio ao sangue na veia

Intermitente sofrimento ateia
Se ora ele me ataca, ora ele recua
Se ora esfomeia, ora me desjejua
Se ora me alivia, me arde hora e meia

Tempos não voltam, apegue-se amante,
Consciente do certo prejuízo,
Às lembranças felizes do passado

Pois o inferno que nos descreve Dante
Julgado pode ser um paraíso
É ameno, ao de Garrett comparado

Continho etério

E fiquei olhando, como no alto alguém tão longe, e em baixo alguém tão fundo. Não é que tivesse medo, mas sinceramente fiquei absorto em uma resposta sem resposta. Se na noite seguinte tivesse parado, e pesando direito, teria enumerado todos os defeitos dela. E teria corrigido os meus. Mas nem isso aconteceu. E com o passar dos dias aquela sombra que se desfiava perto da cômoda da minha cama, se prostrava de forma a me acalentar e dizer tudo que precisava ouvir sobre coisas do fim.

E nos dias seguintes, como aqueles pareciam sempre tão iguais uns aos outros, resolvia me dar uma segunda chance. Quase que em momentos alternados pensava em tal possibilidade. Uma segunda chance para mim, não para ela, nem para nós.

É mesmo o tempo que dar forma a tudo que é factível. Dos adornos não me preocupei. Mais uma verdade que você leitor pode escrever no seu caderninho de anotações. Tudo que é verdade volta. Vinte e um anos e achar que passou.

Já era verão. E de tantos verões a descoberta naquele verão de uma nova lua fez com que levantasse logo cedo com vontade de caminhar. Cedo que falo... Talvez psicologicamente, talvez menos que madrugada. Mas me levantei. E achar aquela rua vazia me fez sentir também vazio. E de aceso, além do calor abafado que fazia, tinha os postes com suas luzes amareladas. Sempre tive a impressão que aquele amarelado era por culpa do tempo e de algum descuidado funcionário público que por décadas esqueceu seu trabalho. Tenho certeza que caminhei por horas, apesar de meu relógio está parado, o mesmo que ganhei de presente no meu vigésimo primeiro aniversário, e só ainda o uso por causa do peso que ele trás das lembranças. Sei que vi o sol raiar não me lembro quantas vezes naquela madrugada, mas da quarta para a quinta vez notei uma diferença, se não estivesse atento a mim mesmo talvez aquela aurora boreal tivesse passado despercebida, mas não passou.

Foi quando voltei pra casa, isso alguns anos depois. Já tinha me curado do acidente e apesar de não poder ter muito contato com nada incisivo, me sentia muito bem. O problema é que naquele inverso o frio estava muito cortante e rasgava minhas vestes e meu corpo frágil, as cicatrizes se abriram quase todas por completo e passava o dia enxugando o sangue que escorria e sujava a casa toda. A família não se importava muito, até por que limpava com certa velocidade para que não incomodasse quem quer que fosse. O piso ficava meio grudento, mas a aparência boa. Tinha pouco tempo, mas estava bem.

Passei muito tempo sentado na cama essa manhã, já tinha passado muito tempo deitado, mas isso todo mundo faz. Contudo, ter ficado àquelas horas parado com o rosto ainda meio sujo e meio inchado foi necessário. Pensei muito nos ano anteriores. Ter passado por eles não foi se quer divertido. Cansei de ler tratados sobre as contradições humanas e nunca entender nada, desconfio que não fosse mesmo para entender. Sem contar nos tratados sobre a mulher. Essa deveria ser um aprofundamento sobre os primeiros tratados que deveria ter entendido.

E mesmo não tendo muitos amigos, isso até por egoísmo mesmo, afinal é melhor evitar, mesmo assim os olhares que me lançavam deixavam claro, eles ainda lembravam. Mesmo depois daquele tempo todo, eles ainda lembravam. E o pior é que eu também sabia. Às vezes me pego pensando. É quando mudo de assunto e tento fazer algo. Mas sei que poderia... É, poderia.

Se parecia justo ou não, sinceramente acho que não. Dom Quixote, Romeu, Otelo. Todos tiveram um final feliz! Foi até bom lembrar, era agosto quando meu amigo Neto resolveu casar. Belo casamento, ficava me perguntando como podia ser aquilo. Foi um casamento longo, mas o noivo se mantinha em pé, como se dissesse “Mas não desisto!”. E não desistiu, pelo menos não ele. Mas não quero falar mais disso. Foram felizes e isso bastou para me dar ânimo.

No inverno daquele mesmo ano pensei em fugir, mas como já tinha feito isso. Pensei que talvez ficasse um pouco ridículo. E não fiz. Deveria ter feito. Ninguém passa a vida se lamentando.

Mas teve uma coisa boa nisso tudo. No domingo de São João a conheci. Fazia turismo. Conversamos um bocado e resolvi tirar aquelas idéias e todas as noites mal dormidas da cabeça. - "Não é que nossa dor seja igual, apenas se completa em poesia quase doente, branca ou sem cor definida e pálida. Como os bayronianos e seus crânios de ossos velhos. Como Dom Quixote. Lembra que falamos dele? Por amor as causas perdidas. Contra dragões que nós mesmos criamos. Como Ducinea enamorada e fictícia. Um "pra sempre" que só esteve na nossa cabeça, não há em qualquer outro lugar sinal de sua existência. Somos como Dom Quixote com seu fiel escudeiro Sancho Pança... errantes... mas a caminho, mesmo que de um sonho perdido e de sem saber por onde, para onde e por que continuar." Teria lhe dito muitos anos depois.

É a mais pura verdade que meus sentimentos são parte de mim, mas os lanço, quando posso, nas palavras mais distantes e me agarro nos meus amigos para não ir com elas... Deveria ser assim, mas lembra que te disse que não tenho muitos amigos, até por causa do olhar deles, odeio o olhar deles. O olhar deles me julga e me condena. Só que eles sabiam, ela não. E viramos amigos.

Conversamos muito aquela noite, ela não queria me ver e queria demais saber de mim. Estava confusa e chorava muito. E nem nossas mãos entrelaçadas a faziam vir à tona. Mas não veio, e pensei em desistir mais uma vez. Só que quando pensava, ela me fazia continuar. Com gestos de ciúmes e com uma autoridade que quase parecia ainda ser dela. Era dela. Não queria que desistisse. Continuo sem entender aqueles longos tratados. E ela sempre me perguntava sobre destino. Dizia a ela que não acreditava nessas coisas. Ela dizia que não era possível, por que ninguém sabe o dia de amanhã. E eu respondia que se acreditasse em destino teria que supor que os meus amanhãs poderiam não ser com ela, não poderia crer nisso. Ela sempre sorria, e ficávamos ali por dias completos lembrando as noites na praia e das vezes que ela dormiu ao meu lado. E lembrávamos os dias que a fiz feliz e até dos dias que não fiz. Mas não eram mais tão ruins do que esses dias que passei longe.

É que Deus foi justo... Dizem que ele escreve certo por linhas tortas. Bem que ele deu uma entortada boa nas nossas vidas. A verdade é sempre um pouco complicada. Mas não querê-la reconhecer atrapalha muitas vidas. Foi o que aconteceu naquela noite, não nela, mas nas que se seguiram. Ter a abraçado e dançado com ela, conversamos sobre tantas coisas. Não deixei que meus lábios tocassem o dela, mas como me arrependo. Sobre aquela, hoje sentia vontade de vomitar, dava náuseas. Mas sobre essa? Como disse: a mentira termina por atrapalhar muitas vidas. Atrapalhou mais da metade das que tinha. Se havia saída? Ainda não tenho a resposta, na verdade nem tenho qualquer resposta.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Da languidez, este teu privilégio,

Da languidez, este teu privilégio,
Foste banhada de sobra, sem pena.
Que eu, em tocá-la, receio, oh pequena;
Em violá-la, vejo um sacrilégio.

Esta altivez de deusa que carregas
Deixa-me o resto juízo absorto.
Ressuscito antes mesmo a cair morto
De amores e desejos que me regas.

Que do pensamento impuro me prives;
Do pecado de olhar a vista segue;
Ou cumpra em mim a pena capital.

Mas, da nobre morada em que tu vives,
Vê o dilema em que minha alma prossegue:
Quere-te bem, porém, ver nisto um mal.

Apresentação

"É difícil marcar o lugar onde pára o homem e começa o animal, onde cessa a alma e começa o instinto - onde a paixão se torna ferocidade. É difícil marcar onde deve parar o galope do sangue nas artérias, e a violência da dor no crânio."

Somos feitos de contradições, somos a personificação do paradoxo. Nunca seremos apenas nós mesmos. Cada um tem, dentro de si, Aries e Calibans que vivem em uma constante harmonia conflituosa. Aqui estamos para explorar estas diversas faces da fascinante condição humana. Não com o intuito de encontrar respostas, mas ambicionados a fomentar novas perguntas e perpetuar nossa ignorância.