quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Continho etério

E fiquei olhando, como no alto alguém tão longe, e em baixo alguém tão fundo. Não é que tivesse medo, mas sinceramente fiquei absorto em uma resposta sem resposta. Se na noite seguinte tivesse parado, e pesando direito, teria enumerado todos os defeitos dela. E teria corrigido os meus. Mas nem isso aconteceu. E com o passar dos dias aquela sombra que se desfiava perto da cômoda da minha cama, se prostrava de forma a me acalentar e dizer tudo que precisava ouvir sobre coisas do fim.

E nos dias seguintes, como aqueles pareciam sempre tão iguais uns aos outros, resolvia me dar uma segunda chance. Quase que em momentos alternados pensava em tal possibilidade. Uma segunda chance para mim, não para ela, nem para nós.

É mesmo o tempo que dar forma a tudo que é factível. Dos adornos não me preocupei. Mais uma verdade que você leitor pode escrever no seu caderninho de anotações. Tudo que é verdade volta. Vinte e um anos e achar que passou.

Já era verão. E de tantos verões a descoberta naquele verão de uma nova lua fez com que levantasse logo cedo com vontade de caminhar. Cedo que falo... Talvez psicologicamente, talvez menos que madrugada. Mas me levantei. E achar aquela rua vazia me fez sentir também vazio. E de aceso, além do calor abafado que fazia, tinha os postes com suas luzes amareladas. Sempre tive a impressão que aquele amarelado era por culpa do tempo e de algum descuidado funcionário público que por décadas esqueceu seu trabalho. Tenho certeza que caminhei por horas, apesar de meu relógio está parado, o mesmo que ganhei de presente no meu vigésimo primeiro aniversário, e só ainda o uso por causa do peso que ele trás das lembranças. Sei que vi o sol raiar não me lembro quantas vezes naquela madrugada, mas da quarta para a quinta vez notei uma diferença, se não estivesse atento a mim mesmo talvez aquela aurora boreal tivesse passado despercebida, mas não passou.

Foi quando voltei pra casa, isso alguns anos depois. Já tinha me curado do acidente e apesar de não poder ter muito contato com nada incisivo, me sentia muito bem. O problema é que naquele inverso o frio estava muito cortante e rasgava minhas vestes e meu corpo frágil, as cicatrizes se abriram quase todas por completo e passava o dia enxugando o sangue que escorria e sujava a casa toda. A família não se importava muito, até por que limpava com certa velocidade para que não incomodasse quem quer que fosse. O piso ficava meio grudento, mas a aparência boa. Tinha pouco tempo, mas estava bem.

Passei muito tempo sentado na cama essa manhã, já tinha passado muito tempo deitado, mas isso todo mundo faz. Contudo, ter ficado àquelas horas parado com o rosto ainda meio sujo e meio inchado foi necessário. Pensei muito nos ano anteriores. Ter passado por eles não foi se quer divertido. Cansei de ler tratados sobre as contradições humanas e nunca entender nada, desconfio que não fosse mesmo para entender. Sem contar nos tratados sobre a mulher. Essa deveria ser um aprofundamento sobre os primeiros tratados que deveria ter entendido.

E mesmo não tendo muitos amigos, isso até por egoísmo mesmo, afinal é melhor evitar, mesmo assim os olhares que me lançavam deixavam claro, eles ainda lembravam. Mesmo depois daquele tempo todo, eles ainda lembravam. E o pior é que eu também sabia. Às vezes me pego pensando. É quando mudo de assunto e tento fazer algo. Mas sei que poderia... É, poderia.

Se parecia justo ou não, sinceramente acho que não. Dom Quixote, Romeu, Otelo. Todos tiveram um final feliz! Foi até bom lembrar, era agosto quando meu amigo Neto resolveu casar. Belo casamento, ficava me perguntando como podia ser aquilo. Foi um casamento longo, mas o noivo se mantinha em pé, como se dissesse “Mas não desisto!”. E não desistiu, pelo menos não ele. Mas não quero falar mais disso. Foram felizes e isso bastou para me dar ânimo.

No inverno daquele mesmo ano pensei em fugir, mas como já tinha feito isso. Pensei que talvez ficasse um pouco ridículo. E não fiz. Deveria ter feito. Ninguém passa a vida se lamentando.

Mas teve uma coisa boa nisso tudo. No domingo de São João a conheci. Fazia turismo. Conversamos um bocado e resolvi tirar aquelas idéias e todas as noites mal dormidas da cabeça. - "Não é que nossa dor seja igual, apenas se completa em poesia quase doente, branca ou sem cor definida e pálida. Como os bayronianos e seus crânios de ossos velhos. Como Dom Quixote. Lembra que falamos dele? Por amor as causas perdidas. Contra dragões que nós mesmos criamos. Como Ducinea enamorada e fictícia. Um "pra sempre" que só esteve na nossa cabeça, não há em qualquer outro lugar sinal de sua existência. Somos como Dom Quixote com seu fiel escudeiro Sancho Pança... errantes... mas a caminho, mesmo que de um sonho perdido e de sem saber por onde, para onde e por que continuar." Teria lhe dito muitos anos depois.

É a mais pura verdade que meus sentimentos são parte de mim, mas os lanço, quando posso, nas palavras mais distantes e me agarro nos meus amigos para não ir com elas... Deveria ser assim, mas lembra que te disse que não tenho muitos amigos, até por causa do olhar deles, odeio o olhar deles. O olhar deles me julga e me condena. Só que eles sabiam, ela não. E viramos amigos.

Conversamos muito aquela noite, ela não queria me ver e queria demais saber de mim. Estava confusa e chorava muito. E nem nossas mãos entrelaçadas a faziam vir à tona. Mas não veio, e pensei em desistir mais uma vez. Só que quando pensava, ela me fazia continuar. Com gestos de ciúmes e com uma autoridade que quase parecia ainda ser dela. Era dela. Não queria que desistisse. Continuo sem entender aqueles longos tratados. E ela sempre me perguntava sobre destino. Dizia a ela que não acreditava nessas coisas. Ela dizia que não era possível, por que ninguém sabe o dia de amanhã. E eu respondia que se acreditasse em destino teria que supor que os meus amanhãs poderiam não ser com ela, não poderia crer nisso. Ela sempre sorria, e ficávamos ali por dias completos lembrando as noites na praia e das vezes que ela dormiu ao meu lado. E lembrávamos os dias que a fiz feliz e até dos dias que não fiz. Mas não eram mais tão ruins do que esses dias que passei longe.

É que Deus foi justo... Dizem que ele escreve certo por linhas tortas. Bem que ele deu uma entortada boa nas nossas vidas. A verdade é sempre um pouco complicada. Mas não querê-la reconhecer atrapalha muitas vidas. Foi o que aconteceu naquela noite, não nela, mas nas que se seguiram. Ter a abraçado e dançado com ela, conversamos sobre tantas coisas. Não deixei que meus lábios tocassem o dela, mas como me arrependo. Sobre aquela, hoje sentia vontade de vomitar, dava náuseas. Mas sobre essa? Como disse: a mentira termina por atrapalhar muitas vidas. Atrapalhou mais da metade das que tinha. Se havia saída? Ainda não tenho a resposta, na verdade nem tenho qualquer resposta.

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